Hoje, trago uma entrevista com o vocalista, violonista, guitarrista e gaitista Fred Nascimento, que traz no currículo passagem pela Legião Urbana e Capital Inicial, dentre muitos outros trabalhos. Fred fala pra gente dessas passagens, além de seu convívio com personalidades como Renato Russo, Cazuza, Raul Seixas, Beto Guedes, etc. Também fala do novo CD de sua banda, gravado junto com outros ex-músicos de apoio da Legião Urbana. Podem deliciar-se com essa saborosa entrevista exclusiva que o Museu Anos 80 traz para vocês.
Roberto L.: Eu vi um vídeo seu no “You Tube” tocando junto com o Dado Villa-Lobos, você na maior empolgação! Você curte mesmo esse negócio de fazer um som, né, Fred?
Fred Nascimento: Adoro tocar, adoro emocionar as pessoas. Gosto muito mesmo do meu trabalho, do trabalho que faço.
Roberto L.: Fred, você toca violão, guitarra e gaita. Começou por qual instrumento?
Fred Nascimento: Tentei começar com a bateria. Depois, passei para o violão, mas fui direto para a guitarra. Meu pai montou uma pra mim! Eu a ligava num rádio valvulado... ele era radioamador. Desde cedo convivi com microfones “Delta”, manipuladores de telegrafia - meu pai era o prefixo PY1 CQI. (Risos)
Roberto L.: Isso foi nos anos 70?
Fred Nascimento: Não. Ainda foram nos anos 60.
Roberto L.: Você foi balconista antes de começar a tocar profissionalmente, certo?
Fred Nascimento: Não! Eu era vendedor da “C&A”... trabalhava de terno e gravata, e meus patrões eram holandeses. (Risos)
Roberto L.: E foi nessa época que você começou a tocar com o Renato Terra?
Fred Nascimento: Sim. Inclusive, um dia, o Renato Terra me fez passar uma vergonha danada! Invadiu a loja, porque soube que eu estava trampando, e queria que eu saísse de lá. Falou pro holandês gerente da loja que era “ridículo eu estar ali”. O Renato pirou com o sucesso... (Risos)
Roberto L.: O Renato Terra fez muito sucesso na época, né, Fred?
Fred Nascimento: Sim. “Bem-te-vi” e “Lá em Mauá” foram dois mega-sucessos, primeiros lugares na época.
Roberto L.: E como você encarou o sucesso com o Renato Terra? Como foi sair pra estrada pela primeira vez? Você lembra da sensação de começar a viver de música, viajar e tal...?
Fred Nascimento: Ah, era muito bom! Eu era bem novinho e não ligava muito pra grana. Torrei tudo, como sempre faço. O legal é que “Bem-te-vi” era UM SUCESSO: a gente só dava a introdução e as pessoas cantavam junto. Os shows eram “megas”, no Maracanãzinho, Riocentro... muito legal. Inclusive, meu primeiro cachê foi no Riocentro - naquele famoso show em comemoração ao Dia do Trabalho, da bomba no carro Puma, no estacionamento. Isso foi em 1981.
Roberto L.: Então sua carreira já começou um estouro. (Risos)
Fred Nascimento: Sim. (Risos)
Roberto L.: E nos anos 80 você compôs pra muita gente, certo?
Fred Nascimento: Sim, pra muita gente. Marina, Zero, Fausto Fawcett, Xuxa, Mara e Angélica, por exemplo, têm músicas minhas gravadas. Quero muito em breve voltar a fazer isso.
Roberto L.: Fale mais um pouco dessa época pra gente, Fred.
Fred Nascimento: Música naquela época era mais legal. Pude conhecer e trabalhar com todos os meus ídolos logo de cara. O Brasil era muito legal, você não tinha preconceitos com ninguém, tudo era brega mesmo! Era legal, não era como hoje - que todo o mundo brega se acha o Led Zeppelin. Você dividia um camarim com o Lulu Santos, com o Milionário e o José Rico, e aprendia coisas com eles!
Roberto L.: Não tinha “estrelismo”, né?
Fred Nascimento: Não. Era mais excitante de se trabalhar.
Roberto L.: Agora, uma pergunta de fã: você conheceu o Cazuza?
Fred Nascimento: Muito! Caju era meu amigo antes desse sucesso todo que ele fez. Íamos ao cinema, festas, tomávamos café na padaria, “virados”. Um dia, a gente teve que deixar a conta pendurada... (Risos)
Roberto L.: Ele era “porra-louca” mesmo, no bom sentido, né, Fred? (Risos)
Fred Nascimento: Era muito legal. O melhor do Rock’n Roll. (Risos)
Roberto L.: Tomaram altos porres juntos?
Fred Nascimento: Nunca gostei muito de me enlouquecer até passar mal, sempre fui um grande jogador de futebol, até hoje (acabei de voltar da pelada do Chico Buarque). Também sempre fui muito atleta: pego onda, essas coisas...
Robero L.: Mas o Caju gostava, né?
Fred Nascimento: Sim, mas também adorava tomar sorvete e tacar na cara dos outros. Ficava puto com essa palhaçada dele. (Risos)
Roberto L.: Dizem que ele se sentia bem tanto em boteco quanto na boate mais cara da cidade. Ele era um cara simples, né?
Fred Nascimento: Sim, muito. Porque os pais dele foram muito simples, tudo o que conquistaram foi com muito trabalho, por isso o Caju era melhor do que qualquer herança.
Roberto L.: Quer falar mais alguma coisa sobre o Cazuza, Fred?
Fred Nascimento: Uma coisa me deixou muito feliz: fizemos as pazes antes dele morrer. Briguei com ele por causa de uma brincadeira boba que ele fez, mas o perdoei. E a gente se gostava bastante, mesmo, ele era muito legal.
Roberto L.: Alguma passagem nos anos 80 que tenha te marcado muito?
Fred Nascimento: Eu amava muito os mineiros, o Beto Guedes era o máximo, o Lô Borges meu ídolo – e, de repente, eu ali, do ladinho deles, trabalhando no disco do Renato Terra! Lembro do Beto com aqueles cabelos enormes tocando seu bandolim, o máximo, cara! Parecia um Steve Howe do Yes, ou coisa muito parecida. Músico “pra caralho”!!! Ele era o máximo dos máximos! Um Neil Young ali do seu lado... você precisa conhecer isso! Ouça esse disco de fones: o segundo disco do Renato Terra.
Roberto L.: E você tocou o quê nesse disco?
Fred Nascimento: Fiz muitos vocais e violões. Acho que vou gravar um disco solo muito em breve nessa onda, nessa energia, e talvez eu regrave algumas coisas.
Roberto L.: Essa época te marcou muito, né?
Fred Nascimento: O que a gente pode falar dessa época atual, Roberto? Minha filha de 12 anos ouve “funk proibidão”, e todos os seus amiguinhos também! O problema é que você escuta uma música dessas e fica em dúvida de que ótica o cara escreveu, e eu acho que não é a do cidadão de bem. E a coisa não está só no funk. A minha atual banda, o Tantra, surgiu em meio ao rock “palavrão – maconha”.
Roberto L.: Mas, hoje em dia, se perdeu mesmo a coisa de ser sutil pra dizer as coisas, né. Cazuza e Renato Russo, por exemplo, diziam o que queriam, mas através de metáforas.
Fred Nascimento: Muito bem lembrado, Roberto. Cazuza dizia “eu queria ter uma bomba”, e os de hoje parecem dizer “eu queria ter uma boca”. Isso tudo pra ganhar grana. O lance hoje é ganhar grana. Encher o cu de grana.
Roberto L.: É, realmente os tempos são outros.
Fred Nascimento: Antigamente te dava um troço na barriga, seus olhos se enchiam de lágrimas quando você ouvia uma música sua tocando no rádio, você pensava na sua mãe em casa, nos seus amigos ouvindo aquilo. Era mágico! Hoje em dia, esses caras nem se emocionam mais escutando suas músicas nas rádios.
Roberto L.: Quer falar mais alguma coisa sobre o cenário atual da música, Fred?
Fred Nascimento: Sim. Uma vez, quando ainda fazia show com a Legião, me perguntaram como eu me sentia tocando com o “gênio” Renato Russo. Eu respondi, “Gênio, não. Ele é um trabalhador que leva até um ano escrevendo uma canção. Gênio é a Carla Perez, Sabrina Satto... gênio é o Latino que pega uma música do folclore búlgaro e transforma num ‘Festa no Apê’.” (Risos)
Roberto L.: Então, Renato Russo tinha o dom, mas pra chegar à perfeição de suas músicas ralava muito, né?
Fred Nascimento: Sim. O Renato Russo era trabalhador pra caralho! Ele fazia a coisa boa, bem. Mas esses que eu citei tem o mérito deles: sabem fazer bem a merda. Eu os acho verdadeiros gênios, mesmo! (Risos)
Roberto L.: Você nunca dançou axé, Fred? (Risos)
Fred Nascimento: Sim. Uma vez eu dancei axé na Bahia!!! Amei, mas estava bêbado pra caralho. Nossa, como funcionou! Com uma gata bunduda! A trilha sonora perfeita pra aquele rabo! Fico pensando... poxa, porque eu não fiz um “tchan”? (Risos)
Roberto L.: Pra escutar no carnaval é bom, né? Mas durante o ano todo...
Fred Nascimento: Música baiana! Deus, onde está o Dorival Caymmi??? Onde está Raul Seixas??? Isso aí não é música baiana - é música “da grana”. (Risos)
Roberto L.: Por falar em Raul, chegou a conhecê-lo?
Fred Nascimento: Sim, num dia muito especial, na chuva, conversamos sobre exatamente isso que estávamos falando, acredita?
Roberto L.: Que coincidência! (Risos)
Fred Nascimento: Ele precisava de grana e não deram.
Roberto L.: A gravadora?
Fred Nascimento: Não, uma editora.
Roberto L.: E como ele era, Fred?
Fred Nascimento: Muito sério. Acredite, achei isso dele nas duas vezes que o encontrei.
Roberto L.: Eu sei que você vai dizer que ele era um trabalhador, mas eu tenho que dizer aqui que o acho genial. (Risos)
Fred Nascimento: O que eu quero dizer com esse negócio de ser um trabalhador é o seguinte: todos os meus ídolos sempre pesquisaram bastante antes de fazer uma canção. Cito o Chico Buarque como exemplo: acredito muito naquela frase tão simples e tão verdadeira de que o único lugar em que o sucesso aparece antes do trabalho é no dicionário.
Roberto L.: Por falar em trabalho, vamos falar do “Rosa Púrpura”. O Rosa foi um dueto que você formou com um amigo, certo?
Fred Nascimento: Sim, o João Paulo Mendonça, que hoje é um cara que faz trilhas pra Globo, peças de teatro, um puta de um músico.
Roberto L.: Foi nessa época que você foi visto pelo Renato Russo, não é isso?
Fred Nascimento: Sim, foi. Ele viu o Rosa Púrpura no Globo de Ouro, e pirou comigo tocando. Quis me conhecer e, tempos depois, me chamou pra tocar.
Roberto L: Aí vocês ficaram amigos?
Fred Nascimento: Ficamos mais amigos depois que eu comecei a tocar com a Legião.
Roberto L.: E você curtia Legião Urbana antes de virar músico de apoio?
Fred Nascimento: Sim, muito! Quando eu ouvi a Legião disse: ainda vou tocar com esta banda! Quero conhecer esses caras!
Roberto L.: E como foi tocar com a Legião Urbana? Vocês mandavam uma energia muito forte do palco, e imagino que recebiam também dos fãs da Legião...
Fred Nascimento: Nossa!!! Nunca vi nada igual, e olha que já pisei em muitos palcos, mas igual a Legião podem esquecer...
Roberto L.: A Legião Urbana tinha uma coisa meio que de "religioso", né? Os fãs ficavam hipnotizados com o som de vocês no palco, certo?
Fred Nascimento: Sim. Era uma igreja, um culto.
Roberto L.: Dá arrepio só em pensar em estar num palco tocando com a Legião Urbana...
Fred Nascimento: Poxa, às vezes chorávamos tocando. Era lindo! Você via um colega seu tocando do seu lado e chorando, era muito forte mesmo!
Roberto L.: O Renato tinha adoração pelos fãs? Ele curtia essa coisa da Legião no palco?
Fred Nascimento: Ele amava o que fazia, ver o resultado de tanto trabalho, tanta pesquisa.
Roberto L.: A Legião Urbana na verdade fazia poucos shows. Por que disso, Fred?
Fred Nascimento: Porque era tudo muito mega... muito grande... a Legião não tocava com mais ninguém, nem tinha banda de abertura, nem participava de festivais. Era tudo muito dela, muito enorme...
Roberto L.: Você chegou a ver alguma vez o Renato compondo?
Fred Nascimento: Ninguém via o Renato compondo, mas nós sabíamos quando ele estava mergulhado num trabalho.
Roberto L.: O Renato Russo deu uma entrevista pro Jô Soares, junto com a Legião Urbana, e falou do problema do alcoolismo que o estava afetando... e o pessoal da banda ficava preocupado com isso, muitas vezes até telefonando pra saber como ele estava. Como foi esse lance?
Fred Nascimento: É, se é seu amigo tem que tirar o cara dessa. Perturbá-lo, ser chato, ser careta, mesmo, brigar com ele, dar esporro, mostrar pra pessoa que você fica puto com ela porque a ama.
Roberto L.: Vocês chegavam a discutir com o Renato, “no bom sentido", por causa disso?
Fred Nascimento: Sim, mas ele sabia dos seus limites. Não era bobo, e era muito vaidoso.
Roberto L.: E ele era divertido? Brincalhão?
Fred Nascimento: Sim, muito. Era muito engraçado.
Roberto L.: Lembra de algum fato engraçado pra contar para os fãs?
Fred Nascimento: Lembro dele aprendendo a dançar lambada, foi muito hilário, mas ele aprendeu mesmo! E sozinho, no poste da casa dele. (Risos)
Roberto L.: Ele era uma pessoa reservada quando não estava com a banda?
Fred Nascimento: Ele adorava estar com pessoas amigas à sua volta.
Roberto L.: Então ele não gostava da solidão...
Fred Nascimento: “Dizem que a solidão até que me cai bem” (citando um verso da música “Maurício”).
Roberto L.: Fred, o que você recorda quando lembra do Renato Russo?
Fred Nascimento: Do amor que ele tinha pela vida.
Roberto L.: O que você gostaria de reviver desse tempo em que esteve com a Legião Urbana?
Fred Nascimento: Acho que tudo teve o seu tempo certo. Era outro tempo. Veja as coisas como estão hoje... acho que a Legião foi o nosso Beatles. Sempre achei isso! E era a banda que o Renato mais amava: The Beatles.
Roberto L.: E se você pudesse ter dito alguma coisa antes de ele ter ido, o que você diria?
Fred Nascimento: Muito obrigado por você ter sido meu grande amigo, e o será pra sempre.
Roberto L.: Você também tocou no Capital Inicial, não é?
Fred Nascimento: Eu entrei no Capital pra tocar violão na época do Acústico, mas acabei tocando guitarra em quase todos os shows, por causa da saída do Lobo Jones. Depois, o Yves entrou na banda.
Roberto L.: Você participou do disco da Luka “Sem Resposta”. Como foi?
Fred Nascimento: Fizemos um disco maravilhoso de rock, mas ela voltou pro Dance dela.
Roberto L.: Você a prefere tocando rock?
Fred Nascimento: Sei lá, acho que ela tem que se encontrar.
Roberto L.: Você acha que cada um tem que seguir um estilo?
Fred Nascimento: Fico meio grilado é com as pessoas que querem atirar pra tudo que é lado.
Roberto L.: Li em algum lugar que o Catedral anunciou a sua contratação. É verdade?
Fred Nascimento: Não entrei para a banda, não. Só vou fazer uma turnê com eles. Já está anunciado, sim.
Roberto L.: E a turnê já tem previsão pra sair?
Fred Nascimento: Este mês. Espero...
Roberto L.: E fala um pouco pra gente do TANTRA, sua atual banda. Ela é composta por quem, Fred?
Fred Nascimento: É composta por mim (voz e guitarra), Carlos Trilha (teclado), Gian Fabra (baixo) - que, como eu, também foram músicos de apoio da Legião Urbana - e Lourenço Monteiro, que também é baterista do Marcelo D2.
Roberto L.: E vocês lançaram um CD agora há pouco, né?
Fred Nascimento: Sim. Passamos um ano em estúdio e saiu agora, em março. Chama-se “A Febre dos Sonhos”. É um lindo disco, cheio de nuances, cheio de histórias de perdas, muito belo. Foi como um filho para os quatro, foi feito com muito carinho, em paz mesmo.
Roberto L.: E terão shows para divulgar o CD, Fred?
Fred Nascimento: Sim. Inicialmente um no Rio, e um em São Paulo, mas como o CD saiu agora, ainda não temos data definida, mas quando tiver data e local eu te digo.
Roberto L.: E eu terei o maior prazer de divulgar no Museu Anos 80! E me diz uma coisa, o CD de vocês já está à venda?
Fred Nascimento: Sim, através do nosso site, http://www.tantra.art.br , as pessoas podem comprá-lo - inclusive autografado!
Roberto L.: Recomendo o CD aos leitores, pois tem nada mais, nada menos que três músicos de apoio da Legião Urbana na banda. Com certeza é coisa boa. Fred, agradeço a entrevista em nome de todo mundo que irá ler e curtir esse papo. Abraços! O Museu Anos 80 estará sempre à sua disposição.
Fred Nascimento: O prazer foi meu. Muito trabalho e sucesso pra todos nós.
Assistam o videoclipe feito em caráter experimental “O Mundo Perfeito”. Essa música está no CD do Tantra, “A Febre Dos Sonhos”.
Roberto L.: Eu vi um vídeo seu no “You Tube” tocando junto com o Dado Villa-Lobos, você na maior empolgação! Você curte mesmo esse negócio de fazer um som, né, Fred?
Fred Nascimento: Adoro tocar, adoro emocionar as pessoas. Gosto muito mesmo do meu trabalho, do trabalho que faço.
Roberto L.: Fred, você toca violão, guitarra e gaita. Começou por qual instrumento?
Fred Nascimento: Tentei começar com a bateria. Depois, passei para o violão, mas fui direto para a guitarra. Meu pai montou uma pra mim! Eu a ligava num rádio valvulado... ele era radioamador. Desde cedo convivi com microfones “Delta”, manipuladores de telegrafia - meu pai era o prefixo PY1 CQI. (Risos)
Roberto L.: Isso foi nos anos 70?
Fred Nascimento: Não. Ainda foram nos anos 60.
Roberto L.: Você foi balconista antes de começar a tocar profissionalmente, certo?
Fred Nascimento: Não! Eu era vendedor da “C&A”... trabalhava de terno e gravata, e meus patrões eram holandeses. (Risos)
Roberto L.: E foi nessa época que você começou a tocar com o Renato Terra?
Fred Nascimento: Sim. Inclusive, um dia, o Renato Terra me fez passar uma vergonha danada! Invadiu a loja, porque soube que eu estava trampando, e queria que eu saísse de lá. Falou pro holandês gerente da loja que era “ridículo eu estar ali”. O Renato pirou com o sucesso... (Risos)
Roberto L.: O Renato Terra fez muito sucesso na época, né, Fred?
Fred Nascimento: Sim. “Bem-te-vi” e “Lá em Mauá” foram dois mega-sucessos, primeiros lugares na época.
Roberto L.: E como você encarou o sucesso com o Renato Terra? Como foi sair pra estrada pela primeira vez? Você lembra da sensação de começar a viver de música, viajar e tal...?
Fred Nascimento: Ah, era muito bom! Eu era bem novinho e não ligava muito pra grana. Torrei tudo, como sempre faço. O legal é que “Bem-te-vi” era UM SUCESSO: a gente só dava a introdução e as pessoas cantavam junto. Os shows eram “megas”, no Maracanãzinho, Riocentro... muito legal. Inclusive, meu primeiro cachê foi no Riocentro - naquele famoso show em comemoração ao Dia do Trabalho, da bomba no carro Puma, no estacionamento. Isso foi em 1981.
Roberto L.: Então sua carreira já começou um estouro. (Risos)
Fred Nascimento: Sim. (Risos)
Roberto L.: E nos anos 80 você compôs pra muita gente, certo?
Fred Nascimento: Sim, pra muita gente. Marina, Zero, Fausto Fawcett, Xuxa, Mara e Angélica, por exemplo, têm músicas minhas gravadas. Quero muito em breve voltar a fazer isso.
Roberto L.: Fale mais um pouco dessa época pra gente, Fred.
Fred Nascimento: Música naquela época era mais legal. Pude conhecer e trabalhar com todos os meus ídolos logo de cara. O Brasil era muito legal, você não tinha preconceitos com ninguém, tudo era brega mesmo! Era legal, não era como hoje - que todo o mundo brega se acha o Led Zeppelin. Você dividia um camarim com o Lulu Santos, com o Milionário e o José Rico, e aprendia coisas com eles!
Roberto L.: Não tinha “estrelismo”, né?
Fred Nascimento: Não. Era mais excitante de se trabalhar.
Roberto L.: Agora, uma pergunta de fã: você conheceu o Cazuza?
Fred Nascimento: Muito! Caju era meu amigo antes desse sucesso todo que ele fez. Íamos ao cinema, festas, tomávamos café na padaria, “virados”. Um dia, a gente teve que deixar a conta pendurada... (Risos)
Roberto L.: Ele era “porra-louca” mesmo, no bom sentido, né, Fred? (Risos)
Fred Nascimento: Era muito legal. O melhor do Rock’n Roll. (Risos)
Roberto L.: Tomaram altos porres juntos?
Fred Nascimento: Nunca gostei muito de me enlouquecer até passar mal, sempre fui um grande jogador de futebol, até hoje (acabei de voltar da pelada do Chico Buarque). Também sempre fui muito atleta: pego onda, essas coisas...
Robero L.: Mas o Caju gostava, né?
Fred Nascimento: Sim, mas também adorava tomar sorvete e tacar na cara dos outros. Ficava puto com essa palhaçada dele. (Risos)
Roberto L.: Dizem que ele se sentia bem tanto em boteco quanto na boate mais cara da cidade. Ele era um cara simples, né?
Fred Nascimento: Sim, muito. Porque os pais dele foram muito simples, tudo o que conquistaram foi com muito trabalho, por isso o Caju era melhor do que qualquer herança.
Roberto L.: Quer falar mais alguma coisa sobre o Cazuza, Fred?
Fred Nascimento: Uma coisa me deixou muito feliz: fizemos as pazes antes dele morrer. Briguei com ele por causa de uma brincadeira boba que ele fez, mas o perdoei. E a gente se gostava bastante, mesmo, ele era muito legal.
Roberto L.: Alguma passagem nos anos 80 que tenha te marcado muito?
Fred Nascimento: Eu amava muito os mineiros, o Beto Guedes era o máximo, o Lô Borges meu ídolo – e, de repente, eu ali, do ladinho deles, trabalhando no disco do Renato Terra! Lembro do Beto com aqueles cabelos enormes tocando seu bandolim, o máximo, cara! Parecia um Steve Howe do Yes, ou coisa muito parecida. Músico “pra caralho”!!! Ele era o máximo dos máximos! Um Neil Young ali do seu lado... você precisa conhecer isso! Ouça esse disco de fones: o segundo disco do Renato Terra.
Roberto L.: E você tocou o quê nesse disco?
Fred Nascimento: Fiz muitos vocais e violões. Acho que vou gravar um disco solo muito em breve nessa onda, nessa energia, e talvez eu regrave algumas coisas.
Roberto L.: Essa época te marcou muito, né?
Fred Nascimento: O que a gente pode falar dessa época atual, Roberto? Minha filha de 12 anos ouve “funk proibidão”, e todos os seus amiguinhos também! O problema é que você escuta uma música dessas e fica em dúvida de que ótica o cara escreveu, e eu acho que não é a do cidadão de bem. E a coisa não está só no funk. A minha atual banda, o Tantra, surgiu em meio ao rock “palavrão – maconha”.
Roberto L.: Mas, hoje em dia, se perdeu mesmo a coisa de ser sutil pra dizer as coisas, né. Cazuza e Renato Russo, por exemplo, diziam o que queriam, mas através de metáforas.
Fred Nascimento: Muito bem lembrado, Roberto. Cazuza dizia “eu queria ter uma bomba”, e os de hoje parecem dizer “eu queria ter uma boca”. Isso tudo pra ganhar grana. O lance hoje é ganhar grana. Encher o cu de grana.
Roberto L.: É, realmente os tempos são outros.
Fred Nascimento: Antigamente te dava um troço na barriga, seus olhos se enchiam de lágrimas quando você ouvia uma música sua tocando no rádio, você pensava na sua mãe em casa, nos seus amigos ouvindo aquilo. Era mágico! Hoje em dia, esses caras nem se emocionam mais escutando suas músicas nas rádios.
Roberto L.: Quer falar mais alguma coisa sobre o cenário atual da música, Fred?
Fred Nascimento: Sim. Uma vez, quando ainda fazia show com a Legião, me perguntaram como eu me sentia tocando com o “gênio” Renato Russo. Eu respondi, “Gênio, não. Ele é um trabalhador que leva até um ano escrevendo uma canção. Gênio é a Carla Perez, Sabrina Satto... gênio é o Latino que pega uma música do folclore búlgaro e transforma num ‘Festa no Apê’.” (Risos)
Roberto L.: Então, Renato Russo tinha o dom, mas pra chegar à perfeição de suas músicas ralava muito, né?
Fred Nascimento: Sim. O Renato Russo era trabalhador pra caralho! Ele fazia a coisa boa, bem. Mas esses que eu citei tem o mérito deles: sabem fazer bem a merda. Eu os acho verdadeiros gênios, mesmo! (Risos)
Roberto L.: Você nunca dançou axé, Fred? (Risos)
Fred Nascimento: Sim. Uma vez eu dancei axé na Bahia!!! Amei, mas estava bêbado pra caralho. Nossa, como funcionou! Com uma gata bunduda! A trilha sonora perfeita pra aquele rabo! Fico pensando... poxa, porque eu não fiz um “tchan”? (Risos)
Roberto L.: Pra escutar no carnaval é bom, né? Mas durante o ano todo...
Fred Nascimento: Música baiana! Deus, onde está o Dorival Caymmi??? Onde está Raul Seixas??? Isso aí não é música baiana - é música “da grana”. (Risos)
Roberto L.: Por falar em Raul, chegou a conhecê-lo?
Fred Nascimento: Sim, num dia muito especial, na chuva, conversamos sobre exatamente isso que estávamos falando, acredita?
Roberto L.: Que coincidência! (Risos)
Fred Nascimento: Ele precisava de grana e não deram.
Roberto L.: A gravadora?
Fred Nascimento: Não, uma editora.
Roberto L.: E como ele era, Fred?
Fred Nascimento: Muito sério. Acredite, achei isso dele nas duas vezes que o encontrei.
Roberto L.: Eu sei que você vai dizer que ele era um trabalhador, mas eu tenho que dizer aqui que o acho genial. (Risos)
Fred Nascimento: O que eu quero dizer com esse negócio de ser um trabalhador é o seguinte: todos os meus ídolos sempre pesquisaram bastante antes de fazer uma canção. Cito o Chico Buarque como exemplo: acredito muito naquela frase tão simples e tão verdadeira de que o único lugar em que o sucesso aparece antes do trabalho é no dicionário.
Roberto L.: Por falar em trabalho, vamos falar do “Rosa Púrpura”. O Rosa foi um dueto que você formou com um amigo, certo?
Fred Nascimento: Sim, o João Paulo Mendonça, que hoje é um cara que faz trilhas pra Globo, peças de teatro, um puta de um músico.
Roberto L.: Foi nessa época que você foi visto pelo Renato Russo, não é isso?
Fred Nascimento: Sim, foi. Ele viu o Rosa Púrpura no Globo de Ouro, e pirou comigo tocando. Quis me conhecer e, tempos depois, me chamou pra tocar.
Roberto L: Aí vocês ficaram amigos?
Fred Nascimento: Ficamos mais amigos depois que eu comecei a tocar com a Legião.
Roberto L.: E você curtia Legião Urbana antes de virar músico de apoio?
Fred Nascimento: Sim, muito! Quando eu ouvi a Legião disse: ainda vou tocar com esta banda! Quero conhecer esses caras!
Roberto L.: E como foi tocar com a Legião Urbana? Vocês mandavam uma energia muito forte do palco, e imagino que recebiam também dos fãs da Legião...
Fred Nascimento: Nossa!!! Nunca vi nada igual, e olha que já pisei em muitos palcos, mas igual a Legião podem esquecer...
Roberto L.: A Legião Urbana tinha uma coisa meio que de "religioso", né? Os fãs ficavam hipnotizados com o som de vocês no palco, certo?
Fred Nascimento: Sim. Era uma igreja, um culto.
Roberto L.: Dá arrepio só em pensar em estar num palco tocando com a Legião Urbana...
Fred Nascimento: Poxa, às vezes chorávamos tocando. Era lindo! Você via um colega seu tocando do seu lado e chorando, era muito forte mesmo!
Roberto L.: O Renato tinha adoração pelos fãs? Ele curtia essa coisa da Legião no palco?
Fred Nascimento: Ele amava o que fazia, ver o resultado de tanto trabalho, tanta pesquisa.
Roberto L.: A Legião Urbana na verdade fazia poucos shows. Por que disso, Fred?
Fred Nascimento: Porque era tudo muito mega... muito grande... a Legião não tocava com mais ninguém, nem tinha banda de abertura, nem participava de festivais. Era tudo muito dela, muito enorme...
Roberto L.: Você chegou a ver alguma vez o Renato compondo?
Fred Nascimento: Ninguém via o Renato compondo, mas nós sabíamos quando ele estava mergulhado num trabalho.
Roberto L.: O Renato Russo deu uma entrevista pro Jô Soares, junto com a Legião Urbana, e falou do problema do alcoolismo que o estava afetando... e o pessoal da banda ficava preocupado com isso, muitas vezes até telefonando pra saber como ele estava. Como foi esse lance?
Fred Nascimento: É, se é seu amigo tem que tirar o cara dessa. Perturbá-lo, ser chato, ser careta, mesmo, brigar com ele, dar esporro, mostrar pra pessoa que você fica puto com ela porque a ama.
Roberto L.: Vocês chegavam a discutir com o Renato, “no bom sentido", por causa disso?
Fred Nascimento: Sim, mas ele sabia dos seus limites. Não era bobo, e era muito vaidoso.
Roberto L.: E ele era divertido? Brincalhão?
Fred Nascimento: Sim, muito. Era muito engraçado.
Roberto L.: Lembra de algum fato engraçado pra contar para os fãs?
Fred Nascimento: Lembro dele aprendendo a dançar lambada, foi muito hilário, mas ele aprendeu mesmo! E sozinho, no poste da casa dele. (Risos)
Roberto L.: Ele era uma pessoa reservada quando não estava com a banda?
Fred Nascimento: Ele adorava estar com pessoas amigas à sua volta.
Roberto L.: Então ele não gostava da solidão...
Fred Nascimento: “Dizem que a solidão até que me cai bem” (citando um verso da música “Maurício”).
Roberto L.: Fred, o que você recorda quando lembra do Renato Russo?
Fred Nascimento: Do amor que ele tinha pela vida.
Roberto L.: O que você gostaria de reviver desse tempo em que esteve com a Legião Urbana?
Fred Nascimento: Acho que tudo teve o seu tempo certo. Era outro tempo. Veja as coisas como estão hoje... acho que a Legião foi o nosso Beatles. Sempre achei isso! E era a banda que o Renato mais amava: The Beatles.
Roberto L.: E se você pudesse ter dito alguma coisa antes de ele ter ido, o que você diria?
Fred Nascimento: Muito obrigado por você ter sido meu grande amigo, e o será pra sempre.
Roberto L.: Você também tocou no Capital Inicial, não é?
Fred Nascimento: Eu entrei no Capital pra tocar violão na época do Acústico, mas acabei tocando guitarra em quase todos os shows, por causa da saída do Lobo Jones. Depois, o Yves entrou na banda.
Roberto L.: Você participou do disco da Luka “Sem Resposta”. Como foi?
Fred Nascimento: Fizemos um disco maravilhoso de rock, mas ela voltou pro Dance dela.
Roberto L.: Você a prefere tocando rock?
Fred Nascimento: Sei lá, acho que ela tem que se encontrar.
Roberto L.: Você acha que cada um tem que seguir um estilo?
Fred Nascimento: Fico meio grilado é com as pessoas que querem atirar pra tudo que é lado.
Roberto L.: Li em algum lugar que o Catedral anunciou a sua contratação. É verdade?
Fred Nascimento: Não entrei para a banda, não. Só vou fazer uma turnê com eles. Já está anunciado, sim.
Roberto L.: E a turnê já tem previsão pra sair?
Fred Nascimento: Este mês. Espero...
Roberto L.: E fala um pouco pra gente do TANTRA, sua atual banda. Ela é composta por quem, Fred?
Fred Nascimento: É composta por mim (voz e guitarra), Carlos Trilha (teclado), Gian Fabra (baixo) - que, como eu, também foram músicos de apoio da Legião Urbana - e Lourenço Monteiro, que também é baterista do Marcelo D2.
Roberto L.: E vocês lançaram um CD agora há pouco, né?
Fred Nascimento: Sim. Passamos um ano em estúdio e saiu agora, em março. Chama-se “A Febre dos Sonhos”. É um lindo disco, cheio de nuances, cheio de histórias de perdas, muito belo. Foi como um filho para os quatro, foi feito com muito carinho, em paz mesmo.
Roberto L.: E terão shows para divulgar o CD, Fred?
Fred Nascimento: Sim. Inicialmente um no Rio, e um em São Paulo, mas como o CD saiu agora, ainda não temos data definida, mas quando tiver data e local eu te digo.
Roberto L.: E eu terei o maior prazer de divulgar no Museu Anos 80! E me diz uma coisa, o CD de vocês já está à venda?
Fred Nascimento: Sim, através do nosso site, http://www.tantra.art.br , as pessoas podem comprá-lo - inclusive autografado!
Roberto L.: Recomendo o CD aos leitores, pois tem nada mais, nada menos que três músicos de apoio da Legião Urbana na banda. Com certeza é coisa boa. Fred, agradeço a entrevista em nome de todo mundo que irá ler e curtir esse papo. Abraços! O Museu Anos 80 estará sempre à sua disposição.
Fred Nascimento: O prazer foi meu. Muito trabalho e sucesso pra todos nós.
Assistam o videoclipe feito em caráter experimental “O Mundo Perfeito”. Essa música está no CD do Tantra, “A Febre Dos Sonhos”.
4 comentários:
Ótima página. voltarei a acessá-la.
Muito bom cara, parabéns Beto, ficou muito da hora cara.. lembrar assim essa época foi bom demais e ri muito.. Fred, o figura. Abraços
Adorei Beto! Ler sobre Legião e Cazuza é sempre maravilhoso. Beijão Lilly :)
Parabéns Beto vc acertou na entrevista, quem começa a ler não para mais. Continue assim, seu blog está muito maneiro. Coloque menos vídeos e mais reportagens.
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